O homem da máscara de cabedal
Amanhã escrevo o mail de despedida. Fica já pronto para quinta-feira. Assim quando chegar é só enviar e escapar o mais depressa possível do edíficio. Tenho tudo planeado.
Quarta-feira antes de sair, às 17h59m, portanto, deixo uma máscara dissimulada num vaso do hall do meu piso que acessa aos elevadores. Tinha pensado numa máscara preta, de lã, com buracos para os olhos e para respirar, só que não consegui encontrar nenhuma. Lá descobri uma parecida, de cabedal, com uma bola no lugar para a boca.
Então deixo lá a máscara, e, na quinta-feira, depois de enviar o mail, fujo. Corro o mais depressa possível em direcção ao hall. É possível que durante o processo atire com várias pessoas ao chão. Isso iria atrair atenções para a fuga. Já pensei nisso também. Se isso acontecer basta dizer que vou beber café. Pronto. Assim já ninguém desconfia.
No hall vou direito ao vaso e coloco a máscara. Com a máscara escuso de correr. Mesmo que alguém já tenha lido o mail, o que é pouco provável, e venha á minha procura, com a máscara é difícil reconhecerem-me. Existe muita gente a vestir casual. A seguir desço pelo elevador, cumprimento com um leve aceno de cabeça quem lá se encontre, e saio no piso zero, no hall da entrada principal. Para não levantar suspeitas colei uma fotografia minha com máscara no cartão da empresa. Só para iludir a segurança. Depois saio para a rua.
posted by: João @ 22:49
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A última chamuça
É a ultima semana lá no trabalho. Como é a última, e tão cedo não devo almoçar por Entrecampos, estou disposto a comer em locais onde fui maltratado, que é em quase todo o lado, mas nunca do modo como o fui no centro comercial Gemini.
Estou ao balcão da barraca das sandes e a velha lá dentro frita batatas. Dou boas tardes. Ela sorri. É uma armadilha, claro. Não posso fazer já o pedido. Uma vez, presenciei isto: estavam duas raparigas ao balcão e a velha á volta das batatas.
- Olhe, se faz favor, depois quando puder...
- Só um momento!! Só um momento!!
- Diga-me só...
- NÃO ESTÁ VER QUE ESTOU DE RODA DAS BATATAS??!!!
- Não... nós só queriamos...
- VÁ-SE SENTAR! PORQUE É QUE NÃO SE VAI SENTAR??! EU JÁ A ATENDO!!
Era assim. O filho ás vezes ajudava-a, quando o movimento era fraco. Nunca tive razão de queixa dele.
Estou, portanto, ao balcão, á espera. Espero pela fritura das batatas, mas nem sequer vou comer batatas. Chega mais um tipo. Dá as boas tardes. A velha sorri. Ele não pede nada. Apenas espera, como eu. As batatas acabam de fritar, a velha levanta a rede, coloca-a no suporte da frigideira e vem ao balcão. Olha para ele, depois para mim, e o que é que ela faz? O que é que o estupor da velha faz? Atende o gajo primeiro. E o que é que o gajo faz? Pede a última chamuça. E o que é que eu faço? Pergunto se tem mais chamuças. E o que é que ela responde? Que chamuças não, aquele senhor levou a última, mas que tem sonhos. Que estão muito bons. Se não quero um.
Porca senil.
Esta semana volto lá, á laia da despedida.
posted by: João @ 21:56
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Curtas
Não quero falar disso...
posted by: João @ 02:48
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Curtas
Não quero falar disso...
posted by: João @ 02:56
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O quiosque da estação de Entrecampos
Para a semana lá me vou embora da tmn. Eles não estavam a brincar quando diziam que era trabalho temporário.
- Olhe que é só por onze meses...
- AH! AH! AH! AH! Lá está você com as suas coisas!
Vou deixar de andar de comboio. Isso entristece-me. Logo agora que a relação com o quiosque do café está estabilizada. Tive três quiosques, nestes onze meses. Neste momento estou com o segundo, pela segunda vez. Não posso dizer que seja a relação que desejava para mim, mas estamos a dar uma nova chance um ao outro. As coisas estão diferentes, mais maduras, mais tranquilas. Ambos mudámos.
Mas não esqueço o que lá passei só para beber uma bica. Momentos houve em que lhe perdi totalmente o respeito. Uma vez estive perto de bater repetidamente com a moeda no balcão, na parte de vidro da montra, que é onde realmente faz barulho, para que me atendessem.
Depois disso, afastei-me. O quiosque estava a tornar-me uma pessoa pior quando o objectivo era que o café me melhorasse. Não foi uma decisão fácil. No entanto, não estou arrependido. Foi um afastamento necessário, os erros são mais vísiveis á distância.
Agora estávamos bem.
Para a semana, acaba. Iamos fazer quatro meses.
posted by: João @ 20:17
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Milagres de Jesus, Parte II
Outro. Andar sobre a água. Jesus andou sobre a água.
Mas sobre a água como? SOBRE a água, ou, ao NÍVEL da água? Porque é diferente. Ao nível da água teria de ter molhado os pés. Mas sobre a água, sobre, isso já não teria acontecido. No limite o manto, e não era todo, só aquela ponta que fica pendurada, que em terra arrasta pelo chão. O que interessa é que não molharia os pés.
Se eu tentar andar sobre a água, certamente que me molho todo. Mas Jesus também molhou os pés. Já posso comparar. É uma questão de quantidade. Ainda não sou muito bom a andar ao nível da água, mas o meu pai é Carteiro e o dele é Deus. Preciso de tempo.
Mais uma vez, a Bíblia não faz menção a nada destas coisas. Mas se foi sobre a água, foi sobre a água. Só não acho é correcto dizer que foi sobre se pode dar-se o caso de ter sido ao nível.
posted by: João @ 22:34
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Milagres de Jesus, Parte I
Como funcionavam os milagres de Jesus?
Por exemplo, a multiplicação. A multiplicação é um milagre claramente genérico. Tanto podia multiplicar peixe como multiplicar pão. Jesus usava-o para multiplicar.
"O que é que é preciso? Ah, sim senhor. Muito bem. Já está."
Mas como funcionava, específicamente? No caso da sardinha, de que forma actuava a multiplicação sobre a sardinha? Que a multiplicava, é certo. Mas só isso? Ou actuava também a nível orgânico? A Bíblia não é explícita neste assunto. No entanto interessa saber, já que levanta uma série de questões. A sardinha era toda fresca? Não havia nenhuma pisada? Ninguém se queixou? E se era fresca, qual a razão? Porque o milagre, além de multiplicar, também regenera a sardinha? Ou o milagre só multiplica e, nesse caso, porque a sardinha original era fresca?
Pode dar-se o caso de o milagre só multiplicar, a sardinha original não ser fresca e o peixe sair fresco á mesma. Isso é outra possibilidade. Nesse caso seriam dois milagres. O da multiplicação e o da regeneração da sardinha. Não ao ponto de a deixar viva, mas fresca.
Mas não deixam de ser dois milagres e apenas um é referido. Uma imprecisão, portanto. O mais correcto seria "A multiplicação e regeneração da sardinha" ou "A regeneração e multiplicação da sardinha" ou ainda "A multiplicação da sardinha regenerada" ou "A regenerada sardinha multiplicada", isso teria que se discutir com alguma calma.
posted by: João @ 19:12
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Fardo
posted by: João @ 23:22
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Fardo
A série Fardo está, sinceramente, a tornar-se um peso...
posted by: João @ 01:48
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Fardo
É pesado.
posted by: João @ 14:33
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Luto pela Becky
posted by: João @ 00:21
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Fardo
Um peso. O blog é um peso.
(Começo hoje, oficialmente, e até ao próximo Domingo, a série Fardo.)
posted by: João @ 22:33
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Fardo
Não sei se esta semana vou conseguir vir aqui muitas vezes. Estou a tentar escrever um argumento para uma curta-metragem e tenho de o entregar no próximo Domingo.
Mas hei-de cá vir, mesmo assim. Por obrigação e de má vontade, claro. O mais certo é um copy/paste de alguma merda chata.
O blog é um peso.
posted by: João @ 01:27
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Plano B
O plano que tenho para o meu vizinho é muito simples. Implica ganhar o euromilhões, comprar o andar por cima dele e, ás 3 da manhã, pedir ao Joaquín Cortés para iniciar o show.
Claro que isto é coisa para demorar o seu tempo. Começo a pensar se não será inteligente da minha parte começar efectivamente a jogar, mesmo que me irrite gastar 2 euros num boletim só por causa dele.
Também tenho de arranjar um plano B, para o caso de não me sair nada. Ás vezes pode dar-se o caso. Já vi isso acontecer. Amigos meus, próximos, até familiares, jogaram e não lhes saiu nada. Nunca fiando.
Mas não lhe posso chamar "Plano B". No entanto, quero que tenha "Plano" no nome, isso é certo. O ideal será começar por "Plano" ou mesmo "O Plano", e depois qualquer coisa. Esse "qualquer coisa" tem que ser misterioso. Quando disser o nome ninguém pode ficar a saber o que é. Sabem apenas que é um plano, mais nada, do resto nem desconfiam. Talvez possa chamar-lhe " O plano para aquilo que eu sei bem o quê".
Vou testar o nome.
- Queres vir beber uma cerveja?
- Não posso. Tenho que fazer.
- Só uma, anda lá.
- Não posso, não posso. Tenho que fazer, já disse...
- E o que é isso que nem sequer pode esperar por uma cerveja?
- Urdir. Urdir o plano.
- O plano? Qual plano?
- O plano para aquilo que eu sei bem o quê.
- Fiquei sem saber o que é. Sei apenas que é um plano, mais nada, do resto nem desconfio.
Pronto, parece sólido. Agora só falta limar algumas arestas, como por exemplo, construir toda a estrutura.
posted by: João @ 01:25
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Sou inocente
Estou quase a chatear-me com o meu vizinho do 2º esquerdo...
Já me ameçou, da janela, "olha que eu limpo-te o sebo". Ligou para a casa dos meus pais, a caluniar-me, a eles, aos meus avós, aos meus bisavós, e aí por diante, até Ghengis Khan.
Depois, durante algum tempo, entreteu-se com uma garrafa de plástico. A senhora da limpeza costumava deixá-la a um canto do meu patamar, junto a um vaso com plantas. Ele tirava-a de lá e colocava-a mesmo a meio da minha porta. Todos os dias eu chegava a casa, cansado do trabalho, e via lá a garrafa. Olhava para ela, colocava-a de lado, e entrava em casa para me masturbar. Depois, mais calmo, ia com a minha cadela á rua. Ela também tem necessidades.
Uma dia, ao sair, deixei a garrafa a meio da porta. Só para experimentar.
Quando cheguei a casa estava a um canto da porta. O gajo é esperto. A ele ninguém o engana.
Agora é o tapete. Quando chego o tapete da entrada está fora do lugar.
Ameaças e calúnia é uma coisa.
Mexer-me no tapete da entrada é outra completamente diferente.
O gajo está a abusar.
Mas eu tenho um plano...
AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH! (gargalhada sinistra)
AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH!(gargalhada bastante sinistra)
AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH ! AH! AH! AH! AH! AH! AH! AH! (gargalhada bastante sinistra, com eco)
posted by: João @ 03:40
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Quarenta e nove
Fui contar os comentários ao blog.
***
- És bem gira...!
- Não sejas parvo; parvinho...
- Estou a falar a sério...
- ... tolo...
- Sabes, no blog, já tive QUARENTA E NOVE comentários...
- Sai daqui!
- A sério...
- Sai daqui!
- A sério...
- Sai daqui!
- A sério...
- Sai daqui!
- A sério...
- Sai daqui!
- A sério...
- Sai daqui!
- A sério...
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- A sério...
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- A sério...
- Sai daqui!
- A sério...
- Sai daqui!
-...
-...
- Sentes agora uma inesperada vontade de sexo, não é verdade?
- ... sinto-me...
- Neste momento olhas para mim e vês um macho, não é verdade?
- ... sinto-me...
- Um belo macho, não é verdade?
- ... sinto-me...
- Um belo macho viril, não é verdade?
- ... não sei... é qualquer coisa...
- Um belo macho viril, com bons genes, não é verdade?
- ... qualquer coisa...
- Um belo macho para a cópula!
- ... qualquer coisa...
- Para te cobrir vezes e vezes sem conta!
- ... é que não chego lá...
- E vezes sem conta!
- ... é que não...
- Até que emprenhes!
- ... não adianta...
- Para poderes parir!
- Não chego lá... Tiveste mesmo quarenta e nove comentários num post, a sério??
- Vamos mudar de assunto.
posted by: João @ 20:54
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Retórica
- Qual foi a parte de "Agora não posso sair" que não percebeste??
- A parte do meio. Aquela quando dizes...
- Não respondas!
- Não...?
- Não. É uma pergunta retórica...
- Uma pergunta retórica?
- Sim, boa??
- Boa...? Boa quê?
- Boa nada, animal! Era outra pergunta retórica!
- Outra pergunta retórica?
- Sim...
- Ah! Respondeste! Pergunta retórica, pergunta retórica!!
- Espera, não estás a perceber...
- Não estou?
- Não, não estás.
- Respondeste, respondeste!!
- Mas, tu calas-te??
- Claro, desculpa, eu...
- NÃO RESPONDAS, FILHO DA PUTA!!
posted by: João @ 21:54
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Símbolos
Afinal, não são 270 mil anos. Percebi mal. Parece que a lei espanhola só prevê 40 anos. A pena que foi pedida é apenas simbólica.
- Mãos ao alto! Isto é um assalto simbólico!
- Ai Jesus simbólico!
- Ninguém se mexe! Tu, enfia a massa simbólica dentro deste saco simbólico!
- Tenha simbólicamente calma... ninguém quer sair simbólicamente magoado...
UUUUUUÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ!! UUUUUUÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ!!
- Mas... malditos vermes! Quem tocou o alarme simbólico??!
***
- Então, estás cá dentro porquê?
- Não estou realmente cá dentro... é simbólico...
- Claro, claro. Eu próprio sou inocente.
- Há muita gente que não percebe e...
- Ups! Olha, deixei cair o simbólico sabonete. Importas-te de simbólicamente o apanhar?
- Claro, eu... Olá! Que é isto?!!
- É simbólico, é simbólico!!
posted by: João @ 19:13
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Atocha
Acabo de ouvir na rádio que pedem 270 mil anos de prisão para os tipos do 11 de Março. Parece-me justo.
Infelizmente, já se sabe como é a justiça. Cumprem 100 mil anos e depois são postos cá fora.
posted by: João @ 19:12
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O velho
Saio de casa para ir comprar um apoio para o varão. Já é o terceiro em menos de dois meses. Isto assim não vai lá. Tenho de deixar de ver A Lista de Schindler ou qualquer dia não ganho para os apoios. Também já ando farto de me vestir sempre de preto e branco.
Entro na loja e apanho o velho atrás do balcão, a falar com Jesus.
- O que pretendeis de mim, meu bom Jesus?
- Olha, em verdade te digo, estes apoios que me vendeste não servem.
- Não servem?
- Não. Os pés escorregam e estou sempre a cair.
- Não serão antes os pregos, Senhor?
- Os pregos também. Preciso de pregos com cabeça.
- Então, é um apoio e quantos pregos?
- Um prego.
- Só um prego?
- Posso multiplicá-lo, por isso...
- Mas terão a mesma qualidade?
- Pois, isso já não sei... de facto, houve gente a queixar-se da sardinha estar pisada...
O velho é lixado. Já embarretou Jesus com os pregos. Depois dele sair, aproximo-me. Desta vez decidido a não me deixar levar.
- Preciso de um apoio para o varão, desses de 50 cêntimos.
- É outra vez o mesmo problema?
- Sim. Os apoios não aguentam a roupa molhada.
- Não será a mangueira?
- A mangueira?
- Qual é a pressão que está a utilizar?
- Não sei... ponho lá o dedo e...
- Tem de controlar a pressão. Tem algum adaptador?
- Não... ponho só o dedo e...
- Tome este.
- Ah... está bem...
- São mil euros.
- Está bom... obrigado...
- Até amanhã.
posted by: João @ 13:10
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174 517
O varão do roupeiro não aguentou o peso. Tinha mais cabides que judeus num vagão.
A roupa molhada também não ajudou.
- O que é esta mangueira, aqui no quarto... ?
- Puxa aí desse lado! Tenho de chegar lá ao fundo, ao casaco!
- Mas... és doido??
- Uma mangueira mais comprida, é isso...
- Mas o que estás a fazer, animal??
- Cala-te. Toma, dinheiro! Vai comprar vinho e fruta.
posted by: João @ 14:46
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Momentos difíceis
Tenho 34 anos. Já passei por momentos difíceis, como toda a gente. Um foi frente ao médico, perguntei-lhe por perspectivas, ele disse:
- Perspectivas? O seu tio? AH AH AH AH AH!! Perspectivas!! AH AH AH AH AH!!! Essa é boa!!
- Quer dizer que...
- Claro, homem! O seu tio?? Hello??
Outro. Uns dias depois, no vão da escada do hospital, um cubículo nojento de azulejos brancos e luz ferrugenta, eu sentado com a minha tia, num daqueles bancos corridos de madeira, ou bancos de madeira corridos, não tenho bem a certeza agora, a memória, 34 anos, momentos difíceis,
lá lá lá... bom, era um banco de madeira, corrido, de madeira. Eu sentado com ela; ela a desabafar com a senhora ao lado.
- As minhas artroses...
- Ah, minha senhora... e as minhas...
- Sim, mas as minhas...
- E as minhas também...
- Está bem, mas as minhas... não queira comparar...
- Ora essa! Então não comparo porquê, minha senhora?
- Porquê?? Então a senhora já viu bem a minha coluna?
- A sua coluna, minha senhora? Então e a minha coluna, minha senhora?
- Mas eu tenho duas colunas, puta que pariu!
Estão elas nisto, e o médico aparece. Diz que precisa falar comigo. Já sabia. Desce as escadas. Vou com ele. A meio das escadas, pára. Já sabia. Volta-se para mim. Já sabia. Antecipo-me.
- Então, doutor?
A forma como mexe o corpo antes de falar; a inclinação da cabeça; a pausa quase imperceptível. Depois as palavras.
- Já desconfia porque é que quero falar consigo, não é?
- Sim... Desculpe.
- Como?
- Peço desculpa.
- Não compreendo...
- O meu tio está aqui internado. Estou sob uma grande pressão.
- Sim...
- PRONTO! FUMEI UM CIGARRO CÁ DENTRO! É ISSO QUE QUER OUVIR??
- Não... o seu tio não aguentou e...
- Então... ah!!... pois, olhe, desculpe lá, é que pensei...
posted by: João @ 00:39
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Vale, não vale...?
- Olá, boa tarde! Vem buscar o seu bolinho?
- Já está pronto?
- Tenho-o aqui. O do Mickey, não é?
- Exacto. Esse mesmo!
- Aqui tem. Faz favor.
- ...
- Algum problema...?
- Este bolo... está em branco... só tem uma pinta.
- Como??
- Só tem uma pinta, veja.
- ... de facto... é a pinta do i do Mickey...
- E o resto...?
- Pois, esqueci-me. É que estava mesmo convencido que... palavra de honra... isto há com cada uma!
- Então, e agora?
- São trinta euros.
- Mas, está a brincar...?
- Não, não. É que não foi por maldade. Foi esquecimento. Estava mesmo convencido que tinha feito o Mickey todo.
- Mas isso não vale...
- Ora essa! Então não vale!? Se estava mesmo convencido, vale!
***
- Arrumaste a casa enquanto fui á depilação?
- Claro!
- Lembras-te do combinado, só ias ter sorte se...
- Eu sei, eu sei. Podes ver.
- ...
- Então, algum problema...?
- ... mas está tudo na mesma...
- Como??
- Nem arrumaste a roupa... nem a mesa...
- Olha... pois é... só apaguei a luz da entrada... olha que isto...
- Não fizeste nada...
- Palavra de honra que estava convecido... é que pensava mesmo... isto há coisas do Diabo! Bom, vamos então para o quarto.
- Nem penses!
- Mas... tu não percebes.... Eu pensava que tinha feito! Eu pensava mesmo que tinha feito!! Isso vale! Isso vale!
***
- Vale, ou não vale??
- Vale!
- Não, não vale. Perdeste.
- F... nem acredito! Vamos a outra, vá.
- Estás pronto?
- Sim, vá lá.
- Então... Vale, ou não vale??
- Vale!
- Não vale, novamente.
- É que não consigo...
- Queres parar?
- Não, não! És doido? Tenho de recuperar tudo!!
- Se calhar é melhor...
- Outra vez!!
- Tu é que sabes... Vale, ou não vale??
- Não vale! Não vale!
- Olha, agora valia. Perdeste outra vez.
- ... estou arruinado... preciso de tempo para arranjar o dinheiro e...
- Não há tempo. Sabias das regras. Agora vou ter de partir-te as pernas.
posted by: João @ 23:56
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Super-Pateta
HOMEM
INSOFRIDO TEMÍVEL ADAMADO PURO SAGAZ INTELIGENTÍSSIMO MODESTO RARO CORDIAL EFICIENTE CRITERIOSO EQUILIBRADO RUDE VIRTUOSO MESQUINHO CORAJOSO VELHO RONCEIRO ALTIVO ROTUNDO VIL INCAPAZ TRABALHADOR IRRECUPERÁVEL CATITA POPULAR ELOQUENTE MASCARADO FARROUPILHA GORDO HILARIANTE PREGUIÇOSO HIEROMÂNTICO MALÉVOLO INFANTIL SINISTRO INOCENTE RIDÍCULO ATRASADO SOERGUIDO DELEITÁVEL ROMÂNTICO MARRÃO HOSTIL ÍNCRIVEL SERENO HIANTE ONANISTA ABOMINÁVEL RESSENTIDO PLANIFICADO AMARGURADO EGOCÊNTRICO CAPACÍSSIMO MORDAZ PALERMA MALCRIADO PONDEROSO VOLÚVEL INDECENTE ATARANTADO BILTRE EMBIRRENTO FUGITIVO SORRIDENTE COBARDE MINUCIOSO ATENTO JÚLIO PANCRÁCIO CLANDESTINO GUEDELHUDO ALBINO MARICAS OPORTUNISTA GENTIL OBSCURO FALACIOSO MÁRTIR MASOQUISTA DESTRAVADO AGITADOR ROÍDO PODEROSÍSSIMO CULTÍSSIMO ATRAPALHADO PONTO MIRABOLANTE BONITO LINDO IRRESISTÍVEL PESADO ARROGANTE DEMAGÓGICO ESBODEGADO ÁSPERO VIRIL PROLIXO AFÁVEL TREPIDANTE RECHONCHUDO GASPAR MAVIOSO MACACÃO ESFOMEADO ESPANCADO BRUTO RASCA PALAVROSO ZEZINHO IMPOLUTO MAGNÂNIMO INCERTO INSEGURÍSSIMO BONDOSO GOSMA IMPOTENTE COISA BANANA VIDRINHO CONFIDENTE PELUDO BESTA BARAFUNDOSO GAGO ATILADO ACINTOSO GAROTO ERRADÍSSIMO INSINUANTE MELÍFULO ARRAPAZADO SOLERTE HIPOCONDRÍACO MALANDRECO DESOPILANTE MOLE MOTEJADOR ACANALHADO TROCA-TINTAS ESPINAFRADO CONTUNDENTE SANTINHO SOTURNO ABANDALHADO IMPECÁVEL MISERICORDIOSO VOLUPTUOSO AMANCEBADO TIGRINO HOSPITALEIRO IMPANTE PRESTÁVEL MOROSO LAMBAREIRO SURDO FAQUISTA AMORUDO BEIJOQUEIRO DELAMBIDO SOEZ PRESENTE PRAZENTEIRO BIGODUDO ESPARVOADO VALENTE SACRIPANTA RALHADOR FERIDO EXPULSO IDIOTA MORALISTA MAU NÃO-TE-RALES AMORDAÇADO MEDONHO COLABORANTE INSENSATO CRAVA VULGAR CIUMENTO TACHISTA GASTO IMORALÃO IDOSO IDEALISTA INDUNDIOSO ALDRABÃO RACISTA MENINO LADRADOR POBRE-DIABO ENJOADO BAJULADOR VORAZ ALARMISTA INCOMPREENDIDO VÍTIMA CONTENTE ADULADO BRUTALIZADO COITADINHO FARTO PROGRAMADO IMBECIL CHOCARREIRO INAMOVÍVEL...
Alexandre O´Neil in Poesias Completas 1951/1986
posted by: João @ 14:57
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