quarta-feira, dezembro 13, 2006
Stress de época
Nicolau bebia sozinho. Estava sentado a uma mesa, afundado na cadeira, numa posição que, com o hábito, o levara a ter problemas na coluna. Olhava para o fundo do copo com atenção, segurando-o ao nível dos olhos, pela base, e fazendo-o oscilar lentamente á volta desta. Lá dentro estava uma gota. Uma gota de vinho que, apesar do seu tamanho, o desafiava abertamente a bebê-la. Uma gota que era tudo o que restava de uma geração de uvas. Uma única gota. E contudo, a esta pequena gota, a esta pequena e insignificante gota, esse património não lhe pesava. Ao invés, aceitava essa herança; encarnava o espírito da colheita; recusava deixar-se beber. Mas Nicolau não pensava assim. Colheita é colheita, e, nesse caso, é para se beber até á última gota. Já tinha inclinado o copo, tentando fazê-la escorregar em direcção ao rebordo. Fê-lo com muito cuidado. Era muito pequena e podia perder a coesão. Mas á medida que descia demoradamente pela parede do copo, ia deixando um rasto. Uma cauda de vinho unia a gota á base. Nicolau percebeu que esse vinho era a própria gota. Avançava, mas desgastava-se ao fazê-lo. Definhava, morrendo lentamente. Nunca conseguiria chegar ao rebordo. E mesmo que conseguisse, reparava nisso agora, este é ligeiramente saliente, o que a faria espalhar-se antes de conseguir trepá-lo. Teria de encontrar outra solução. Ainda pensou deitar água no copo, apenas um pouco, só o suficiente para diluir a gota e o liquido adquirir uma leve tonalidade a vinho. Isso seria sinal que, apesar de desaglomerada, ainda existia, manifestando essa presença através da cor. Mas utilizar água para beber vinho, apesar de ter a sua piada, não seria uma verdadeira vitória. Teria sempre de recorrer a um elemento estranho. Por enquanto limitava-se apenas a rodar o copo, impelindo a gota a andar em circulos pela base. Forçava-a neste movimento, obrigando-a a andar á volta, como um rato numa roda, percorrendo sempre o mesmo caminho. Castigava-a assim pela sua fragilidade. E, no entanto, revia-se nesta gota. Via imagens de si próprio a percorrer o mundo, voltando sempre ao ponto de partida, todos os Dezembros, ano após ano. Também ele não conseguia escapar á rotina. A única diferença era que, no seu caso, o tempo entre circulos demorava doze meses. Revia-se na gota e isso amedrontava-o. Uma angústia com origem no seu mau vinho. Nicolau renunciou então á gota, colocando o copo em cima da mesa. Pediria que lhe trouxessem Vodka. Isso ao menos não o deixaria tão deprimido.
posted by: João @ 19:33
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7 Comments:
A tua pesquisa inteiramente verosímil, só vem confirmar as minhas suspeitas, o gajo (Pai Natal) é um bêbado, tal como nós, eh!eh!eh!
bjs amigo
China
Não como nós. Somos muito piores!
Não me considero digna de comentar um texto sobre este tema. Não tenho conhecimento próprio suficiente para poder expressar algo de válido sobre o tema do álcool mas preparo-me para enveredar por esse caminho em breve. E aí, uma vez iniciada, ninguém me vai parar.
E já agora...não resisto... podes, p.f., passar a colocar os acentos nos "as" de forma correcta? pesquisa e descobrirás que o "a", quando sozinho, tem sempre o acento à e não á. Peço desculpa pela reparo mas não consigo evitar.
LOL
Bjs Grandes
Su
Esses defeitos são pequenas liberdades a que me permito. Tenho uma vida muito complicada. Raramente tenho sexo, a pressão tem de sair por algum lado. Peço desculpa se ofendo certas e determinadas pessoas...
Roquinho, estou a denotar um certo esquecimento na realização de posts neste magnífico Blog, o que me está a atrapalhar a vida, pois a consulta deste Blog estava a tornar-se uma rotina, e sinto-me perdido quando quebro as minhas rotinas, sou praticamente um autista, apesar obviamente da minha baixa estatura (trata-se de um trocadilho de palavras que poderá resultar ou não, em princípio não), desta forma caro amigo Roquinho, solicito com urgência a colocação de Posts neste magnífico Blog.
Despeço-me com amizade
China
China, olha que tu não falas assim para mim, estás a ouvir?!
estou, desculpa
China
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